terça-feira, 20 de novembro de 2007


Era uma vez


Um tanque maravilhoso.

Era uma lagoa de água cristalina e pura onde

nadavam peixes de todas as cores

e onde todas as tonalidades de verde se
=
reflectiam permanentemente.

Aproximaram-se daquele tanque mágico e transparente

a tristeza e a fúria para se banharem em mútua companhia.

As duas tiraram os vestidos, e, nuas, entraram no tanque.

A fúria, que tinha pressa (como sempre acontece com a fúria),

pressionada pela urgênci, sem saber porquê,
=
banhou-se rapidamente e, ainda mais rapidamente, saiu da água.

Mas a fúria é cega ou, pelo menos,
=
não distingue claramente a realidade.

Por isso, nua e apressada, pôs, ao sair,
=
o primeiro vestido que encontrou.

E aconteceu que aquele vestido não era o dela, mas o da tristeza.

E assim, vestida de tristeza, a fúria foi-se embora.

Muito indolente, muito serena,

disposta como sempre a ficar no lugar onde estava,

a tristeza terminou o seu banho e, sem pressa, ou, melhor dito,

sem consciência da passagem do tempo,

com preguiça e lentamente, saiu do tanque.

Na margem, deu-se conta de que a sua roupa já lá não estava.

Como todos sabemos,
=
se há uma coisa que não agrada à tristeza é ficar nua.

Por isso vestiu a única roupa que havia junto do tanque:

o vestido da fúria.


Contam que, desde então,

muitas vezes nos encontramos com a fúria,
=
cega, cruel, terrível e agastada.

Mas se nos dermos tempo para olhar melhor, apercebemo-nos

de que esta fúria que estamos a ver não passa de um disfarce e,

por detrás do disfarce da fúria, na realidade,
=
está escondida a tristeza.



Jorge Bucay

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