sexta-feira, 30 de novembro de 2007


É(s) como o mar,

Que me acalma,

Lindo,

Que me inspira,

No qual tenho vontade de mergulhar

Até me perder.

De me deixar envolver completamente

Por ele...



Carlos Veríssimo

Fruta
Cor

Sabor
De amor


No início,

eu queria um instante.

A flor.


Depois,

nem a eternidade me bastava.

E desejava a vertigem

do incêndio partilhado.

O fruto.


Agora,

quero apenas

o que havia antes de haver vida.

A semente.


Mia Couto

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Amante


Amante é "aquilo que nos apaixona".
=
É o que toma conta do nosso pensamento
=
antes de pegarmos no sono e é também aquilo que,
=
às vezes, nos impede de dormir.
=
O nosso Amante é aquilo que nos mantém distraídos em relação
=
ao que acontece à nossa volta.
=
É o que nos mostra o sentido e a motivação da vida.

Às vezes encontramos o nosso amante em nosso parceiro, outras,

em alguém que não é nosso parceiro mas que nos desperta

as maiores paixões e sensações indescritíveis.
=
Também podemos encontrá-lo na pesquisa científica
=
ou na literatura, na música, na política, no esporte,

no trabalho quando é vocacional,
=
na necessidade de transcender espiritualmente, na boa mesa,
=
no estudo ou no prazer obsessivo do passatempo predileto.

Enfim, é "alguém" ou "algo" que nos faz "namorar" a vida

e nos afasta do triste destino de "durar". E o que é "durar"?

Durar é ter medo de viver.
=
É o vigiar a forma como os outros vivem,

é o se deixar dominar pela pressão, perambular
=
por consultórios médicos, tomar remédios multicoloridos,
=
afastar-se do que é gratificante,

observar decepcionado cada ruga nova que o espelho mostra,

é a preocupação com o calor ou com o frio,
=
com a umidade, com o sol ou com a chuva.
=
Durar é adiar a possibilidade de desfrutar o hoje,

fingindo contentar-se com a incerta e frágil sugestão de
=
que talvez possamos fazer amanhã.

Por favor, não se empenhe em "durar", procure um amante,
=
seja também um amante e um protagonista da vida.

Pense que o trágico não é morrer; afinal a morte tem boa memória

e nunca se esqueceu de ninguém.

O trágico é não se animar a viver; enquanto isso, e
=
sem mais delongas, procure um amante.

A psicologia,
=
após estudar muito sobre o tema, descobriu algo transcendental:

"Para se estar satisfeito, ativo e sentir-se jovem e feliz, é preciso namorar a vida."


Jorge Bucay

terça-feira, 20 de novembro de 2007


Era uma vez


Um tanque maravilhoso.

Era uma lagoa de água cristalina e pura onde

nadavam peixes de todas as cores

e onde todas as tonalidades de verde se
=
reflectiam permanentemente.

Aproximaram-se daquele tanque mágico e transparente

a tristeza e a fúria para se banharem em mútua companhia.

As duas tiraram os vestidos, e, nuas, entraram no tanque.

A fúria, que tinha pressa (como sempre acontece com a fúria),

pressionada pela urgênci, sem saber porquê,
=
banhou-se rapidamente e, ainda mais rapidamente, saiu da água.

Mas a fúria é cega ou, pelo menos,
=
não distingue claramente a realidade.

Por isso, nua e apressada, pôs, ao sair,
=
o primeiro vestido que encontrou.

E aconteceu que aquele vestido não era o dela, mas o da tristeza.

E assim, vestida de tristeza, a fúria foi-se embora.

Muito indolente, muito serena,

disposta como sempre a ficar no lugar onde estava,

a tristeza terminou o seu banho e, sem pressa, ou, melhor dito,

sem consciência da passagem do tempo,

com preguiça e lentamente, saiu do tanque.

Na margem, deu-se conta de que a sua roupa já lá não estava.

Como todos sabemos,
=
se há uma coisa que não agrada à tristeza é ficar nua.

Por isso vestiu a única roupa que havia junto do tanque:

o vestido da fúria.


Contam que, desde então,

muitas vezes nos encontramos com a fúria,
=
cega, cruel, terrível e agastada.

Mas se nos dermos tempo para olhar melhor, apercebemo-nos

de que esta fúria que estamos a ver não passa de um disfarce e,

por detrás do disfarce da fúria, na realidade,
=
está escondida a tristeza.



Jorge Bucay

segunda-feira, 19 de novembro de 2007


Aquele que se deixa prender por uma alegria,

Rasga as asas da vida;

Aquele que beija a alegria enquanto ela voa,

Vive no amanhecer da eternidade.





William Blake


Não serve de nada correr,
=
É preciso partir no momento próprio.

Jean de La Fontaine


(... )

O meu amor é tudo que,

morrendo,

não morre todo,

e fica no ar, parado.



Carlos Drummond de Andrade

domingo, 18 de novembro de 2007


Uso as palavras

para entender meus silêncios





Manoel de Barros


Passo, Amo e Ardo.

Água? Brisa, Luz?

Não sei.

E tenho pressa.

Levo comigo uma criança

que nunca viu o mar.



Eugénio de Andrade


(...)

Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada,

aconchegada nos meus braços, que rio

e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim.


Carlos Drummond de Andrade


A paixão é a mais bela maquiagem de uma mulher.


Yves Saint Laurent

sábado, 17 de novembro de 2007


Saboreio este dia,

Fruto roubado no pomar do tempo.

Sabe-me a novidade,

Deixa-me os lábios doces.

Tem a polpa de sol, e dentro dele

Calmas sementes de outro sol futuro.

Cheira a terra lavrada e a maresia.

E tão livre e maduro,

Que quando o apanhei já ele caía.



Miguel Torga


O meu país

sabe as amoras bravas no verão.

Ninguém ignora que não é grande,

nem inteligente, nem elegante o meu país,

mas tem esta voz doce

de quem acorda cedo para cantar nas silvas.

Raramente falei do meu país, talvez

nem goste dele, mas quando um amigo

me traz amoras bravas

os seus muros parecem-me brancos,

reparo que também no meu país o céu é azul.


Sofia de Mello Breyner / Eugénio de Andrade ??

sexta-feira, 16 de novembro de 2007


Não me deixes dormir.

Abra com o teu corpo

as minhas cortinas.

Desalinhe os lençóis que me vestem.

Desdobre todas as pontas da minha madrugada.

Desnude os meus vales

amanheça o meu dia.

E guarde as minhas noites

tão bem vestidas

na palma das mãos

Das tuas doces mãos.

Vasques


Não sei mais se sou o mar,

pelos sonhos ilimitados.

Ou se sou o grão de areia,

pela pequenez em bastar-se.

Ou se sou a concha,

pelo desejo de se perder

no tempo de um amor.

Ou se sou a sombra,

pelo silêncio.


Jorge Garcia

quinta-feira, 15 de novembro de 2007


O mais importante e bonito, do mundo, é isto:

Que as pessoas não estão sempre iguais,

Ainda não foram terminadas

Mas que elas vão sempre mudando.

Afinam ou desafinam.



Verdade maior.

É o que a vida me ensinou...



João Guimarães Rosa


Minha poesia, malandra

Quer teu olhar a todo custo

Se enfeita, ninfeta

Passando a língua nos lábios

Minha poesia, sedenta,

Sapateia sobre os desejos

E escorrega macia

Em ouvidos amantes

-Errante! praguejam

- Repleta! replico

Minha poesia apenas ama

E clama

Por desordem em pensamentos

Noites e lençóis.
Camila Lordelo

Quiero Amar te


El día o en la noche,

En la luz del Sol o en la Luna,

En el amanecer o en el anochecer,

En la lucidez o en la locura,

En el deseo fugaz o en la paz,

En la ilusión o en la pasión,

En el miedo o en la coraje,

En la plenitud inicial

O en la exhaustón final,

Quiero amar-te



Jane Botti

domingo, 11 de novembro de 2007


Tudo nos falta quando estamos em falta consigo mesmo...
A. D.


O poema

é como um corpo

de mulher.

Há de ser suave,


leve, belo.

Há de possuir

pontos sensíveis,

em que um simples toque

o faça vibrar.

Há de ser forte

e delicado,

flexível,

mas inquebrável.

Para alguns é impenetrável.


Para alguém especial,

é aberto, transparente, claro.


Aníbal Albuquerque


(...)

E de novo acredito que nada do que é importante

Se perde verdadeiramente

Apenas nos iludimos

Julgando ser donos das coisas

Dos instantes e dos outros.

Comigo caminham todos os que amei

Todos os amigos que se afastaram

Todos os dias felizes que se apagaram

Não perdi nada

Apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre



Miguel Sousa Tavares

quarta-feira, 7 de novembro de 2007


Só percebeu que o verão tinha acabado quando viu
as folhas do calendário da cozinha caindo sozinhas,
amarelas, espalhando o ontem pelo chão.

André Gonçalves


Paraíso perdido que eu achei!

Tua essência que é tudo em meu todo que é nada.

Quanto mais juntos, tanto mais sozinhos.

Alternativamente a noite e o dia.

O que de olhos abertos eu não via.

Sem nunca ter começo, teve fim.

A mentira da vida e a verdade do sonho.

Mas nem sequer ouviste o que eu não disse.

E partiste. E eu fiquei no dia sem paisagem.

Nos meus fecundos arrependimentos.

Cai o pano final das pálpebras fechadas.
=
Guilherme de Almeida

Primavera.

Um pouco do céu caiu sobre a terra:

em tufos de hortências.

Guilherme de Almeida

domingo, 4 de novembro de 2007

...
Canto porque o amor apetece.

Porque o feno amadurece

nos teus braços deslumbrados.

Porque o meu corpo estremece

por vê-los nus e suados.



Eugénio de Andrade


quis ser
=
uma pequena ponta da tua luz...
=
e quis...
=
talvez ser uma porta entreaberta
=
onde tu estivesses sempre...
=
Carlos Lopes Pires


(...)

Tu:

a mais certa certeza de que gosto de ti

(...)

Nuno Júdice


Leio o amor no livro

da tua pele;

demoro-me em cada sílaba,

em que os meus dedos

penetram, até chegarem

ao fundo dos sentidos

E chego ao fim

para voltar ao princípio,

decorando o que já sei,

e é sempre novo

quando o leio na tua pele.



Nuno Júdice

sábado, 3 de novembro de 2007

Rima Doída


Saudade rima, de verdade,

Com a mesma rima com que rima a dor.

Saudade, na verdade

Rima, mesmo, é com amor.

André Gonçalves

Pétala


Não, não foi um vendaval.

Na verdade, só um vento, um vento um pouco mais forte.

E, mesmo assim, sua flor, aquela flor vermelha que você me deu,

perdeu uma pétala.

Justamente a que carregava o beijo que você mandou.

Agora, não sei mais o que fazer com a sua flor.

Sem seu beijo, não será mais aquela flor que você me deu.

Será apenas uma flor vermelha sem uma pétala.

E uma flor, quando deixa cair uma pétala,

mostra que esse é o destino de todas as outras:

uma a uma, todas serão levadas pelo vento.

Prefiro, então, que leve de volta a sua flor,

enquanto o vento levou apenas uma pétala
=
com seu beijo grudado nela.

Porque não vou suportar ver sua flor se desmanchando,
=
pétala por pétala.

Tenho medo de que seu amor seja como a sua flor.

E se desmanche, e vá embora, levado por um vento qualquer



André Gonçalves