quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O Sono das Águas

Há uma hora certa,

No meio da noite, uma hora morta,

Em que a água dorme.

Todas as águas dormem:

No rio, na lagoa,

No açude, no brejão, nos olhos d’água,

Nos grotões fundos.

E quem ficar acordado

Na barranca, a noite inteira,

Há de ouvir a cachoeira

Parar a queda e o choro,

Que a água foi dormir...


Águas claras, barrentas, sonolentas,

Todas vão cochilar.

Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,

Fios brancos, torrentes.O orvalho sonha

Nas placas da folhagem.

E adormece

Até a água fervida,

Nos copos de cabeceira dos agonizantes...


Mas nem todas dormem, nessa hora

De torpor líquido e inocente.

Muitos hão de estar vigiando,

E chorando, a noite toda,

Porque a água dos olhos
=
Nunca tem sono...




Guimarães Rosa

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