domingo, 23 de setembro de 2007
Encantação da Primavera
O jogo dos sexos renova-se
Os amantes encontram seus pares.
Já a mão subtil e conquistadora do amado
Faz arrepiar o peito da rapariga.
Ela tenta-o com o olhar furtivo.
A uma nova luz
A paisagem revela-se aos amantes na Primavera.
A grande altura avistam-se os primeiros
Bandos de pássaros.
O ar já aqueceu.
Os dias são mais longos e os
Prados iluminam-se até tarde.
Desmedida é a exuberância de árvores e ervas
Na Primavera.
Perpetuamente fecundo
É o bosque, são os prados, os campos.
E a terra dá à luz o novo
Sem cuidado.
Bertolt Brecht
A Fonte
A renascermos incessantemente
Na luz do antigo sol nu e recente
E no sussurro da noite primitiva.
Sophia de Mello Breyner
sexta-feira, 21 de setembro de 2007
Ela é aquela Princesa Adormecida
no seu claro jazigo de cristal.
Aquela a quem, um dia - enfim - despertarás…
E o que esperavas ser teu suspiro final
é o teu primeiro beijo nupcial!
- Mas como é que eu te receava tanto
(no teu encantamento lhe dirás)
e como podes ser assim - tão bela?!
Nas tantas buscas, em que me perdi,
vejo que cada amor tinha um pouco de ti…
E ela, sorrindo, compassiva e calma:
- E tu, por que é que me chamavas Morte?
Mário Quintana
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
E Aprendemos
E acorrentar uma alma,
E aprendemos
Que o amor não significa deitar-se
E uma companhia não significa segurança
E começamos a aprender…
Que os beijos não são contratos
E os presentes não são promessas
E começamos a aceitar as derrotas
De cabeca levantada e os olhos abertos
Aprendemos a construir
Todos os seus caminhos de hoje,
Porque a terra amanhã
É demasiado incerta para planos…
E os futuros têm um forma de ficarem
Pela metade.
E depois de um tempo
Aprendemos que se for demasiado,
Até um calorzinho do sol queima.
Assim plantamos nosso próprio jardim
E decoramos nossa própria alma,
Em vez de esperarmos que alguém nos traga flores.
E aprendemos que realmente podemos aguentar,
Que somos realmente fortes,
Que valemos realmente a pena,
E aprendemos e aprendemos…
E em cada dia aprendemos.
terça-feira, 18 de setembro de 2007
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens.
Tu, meu anjo, és como o Céu
De Maomé.
E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu Anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.
Deixa que minha mão errante adentre.
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra à vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem Vestes.
As jóias que a mulher ostenta
São como os ouro de Atlanta:
O olho do tolo que uma gêma inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira,
abre-Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.
John Donne
quarta-feira, 12 de setembro de 2007
Carlos Drummond de Andrade
domingo, 9 de setembro de 2007
Antigamente acordava sem sensação nenhuma: acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei de fazer das minhas sensações.
Não sei o que hei de ser comigo sozinho.
Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.
sábado, 8 de setembro de 2007
Apenas outra , a outra tua boca
É Primavera e ri a tua boca
De ser Agosto já na outra boca
Entre uma e outra voga a minha boca
E pouco a pouco a polpa de uma boca
Inda há pouco na popa em minha boca
É já na proa a polpa de outra boca.
Sabe a laranja a casca de uma boca
Sabe a morango a noz da outra boca
Mas sabe entretanto a minha boca
Que apenas vai sentindo em sua boca
Mais rouca do que a boca a minha boca
Mais louca do que a boca a tua boca.
David Mourão-Ferreira
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres,
as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós,
em redor de nós as palavras voam.
E às vezes pousam.
Cecília Meireles
o que dilata os trigos, o que retorce as algas,
faz o teu corpo alegre, os luminosos olhos
e essa boca que tem o sorriso da água.
Um sol negro e ansioso enrola-se-te nos fios
da negra cabeleira, quando estendes os braços.
Tu brincas com o sol como se fosses um esteiro
e ele deixa-te nos olhos dois escuros remansos.
Moça morena e ágil, nada de ti me abeira.
Tudo de ti me afasta, como do meio dia.
Tu és a delirante juventude da abelha,
a embriaguez da onda, a força que há na espiga.
Porém meu coração sombrio te procura
e eu amo o teu corpo alegre, a tua voz solta e fina.
Borboleta morena, suave e definitiva
como o trigal e o sol, como a papoila e a água.
Neruda
sexta-feira, 7 de setembro de 2007
em que tudo é tudo
dos teus pés ao ventre
das ancas à nuca
ouve-se a torrente
de um rio confuso
Levanta-se o vento
Comparece a lua
Entre linguas e dentes
este sol nocturno
Nos teus quatro membros
de curvos arbustos
lavra um só incêndio
que se torna muitos
Cadente silêncio
sob o que murmuras
Por fora por dentro
do bosque do púbis
crepitam-me os dedos
tocando alaúde
nas cordas dos nervos
a que te reduzes
Assim o momento
em que tudo é tudo
Mais concretamente
água fogo música
David Mourão Ferreira
terça-feira, 4 de setembro de 2007
Eu clamo um monte aos montes
E no monte grande eu procuro um canto
Eu canto no grande monte
Escolho o meu canto e fico só, a cantar
No monte grande em que canto
Eu canto o pranto da minha vida
Eu vivo preso num canto
No grande monte da vida
Eu tento mudar de canto atravesso a ponte escondendo a voz
Eu deixo o canto em silêncio rasgando o peito e lutando a sós
Airton Polak Junior
Com Você...
Se for com sol, eu topo
uma tarde curtindo a tarde
deitados na grama do parque
e vinho, e queijo, e beijo.
Se for com lua, eu topo
uma dose de desejo no copo
um cheiro de noite no corpo
e lençol, e pele, e suor.
Se for com você, eu topo
uma casinha azul no campo
um vaso de gérbera no canto
e rede, e quintal, e dengo.
Bertold Brecht