segunda-feira, 24 de setembro de 2007


"As rosas não falam",
=
Mas exalam perfume
=
Que é onde o Poeta constrói sua morada.

domingo, 23 de setembro de 2007

Encantação da Primavera


Vem Primavera.

O jogo dos sexos renova-se

Os amantes encontram seus pares.

Já a mão subtil e conquistadora do amado

Faz arrepiar o peito da rapariga.

Ela tenta-o com o olhar furtivo.

A uma nova luz


A paisagem revela-se aos amantes na Primavera.

A grande altura avistam-se os primeiros

Bandos de pássaros.

O ar já aqueceu.

Os dias são mais longos e os

Prados iluminam-se até tarde.

Desmedida é a exuberância de árvores e ervas


Na Primavera.

Perpetuamente fecundo

É o bosque, são os prados, os campos.

E a terra dá à luz o novo

Sem cuidado.


Bertolt Brecht

A vida é um sono
=
de que o amor é o sonho,
=
e vós tereis vivido
=
se houverdes amado
=
Alfred de Musset

A Fonte


Com voz nascente a fonte nos convida

A renascermos incessantemente

Na luz do antigo sol nu e recente

E no sussurro da noite primitiva.

Sophia de Mello Breyner

sexta-feira, 21 de setembro de 2007




Quero provar da fruta fresca

Mesmo que pinte com cor errada o céu da boca

Quero o doce da poesia

Pra escorrer no meu interior

=O suco das palavras

E corrigir todas as cores que por lá encontrar


Então,

quando você me beijar,

vai sentir o gosto da minha escrita,

pois a fim de nunca esquecê-las

eu trago todas as minhas palavras na ponta da língua.


Rita Apoena


A morte é que está morta

Ela é aquela Princesa Adormecida

no seu claro jazigo de cristal.

Aquela a quem, um dia - enfim - despertarás…

E o que esperavas ser teu suspiro final

é o teu primeiro beijo nupcial!

- Mas como é que eu te receava tanto

(no teu encantamento lhe dirás)

e como podes ser assim - tão bela?!

Nas tantas buscas, em que me perdi,

vejo que cada amor tinha um pouco de ti…

E ela, sorrindo, compassiva e calma:

- E tu, por que é que me chamavas Morte?

Eu sou, apenas, tua Alma…


Mário Quintana

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

E Aprendemos


Após um tempo,

Aprendemos a diferença sútil

Entre segurar uma mão

E acorrentar uma alma,

E aprendemos

Que o amor não significa deitar-se

E uma companhia não significa segurança

E começamos a aprender…

Que os beijos não são contratos

E os presentes não são promessas

E começamos a aceitar as derrotas

De cabeca levantada e os olhos abertos

Aprendemos a construir

Todos os seus caminhos de hoje,

Porque a terra amanhã

É demasiado incerta para planos…

E os futuros têm um forma de ficarem

Pela metade.

E depois de um tempo

Aprendemos que se for demasiado,

Até um calorzinho do sol queima.

Assim plantamos nosso próprio jardim

E decoramos nossa própria alma,

Em vez de esperarmos que alguém nos traga flores.

E aprendemos que realmente podemos aguentar,

Que somos realmente fortes,

Que valemos realmente a pena,


E aprendemos e aprendemos…


E em cada dia aprendemos.


Jorge Luis Borges


E aprendemos que nem sempre estar longe é estar separados
=
Se as boas lembranças ficam e nos fazem companhia.
=
E aprendemos que nem todo choro é triste

Se com a lágrima vem o gosto bom

Dos momentos que juntos sorriram...
=

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Vem, Dama, vem que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.

Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai

É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens.

Tu, meu anjo, és como o Céu
De Maomé.
E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu Anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.

Deixa que minha mão errante adentre.
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra à vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;

Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem Vestes.
As jóias que a mulher ostenta
São como os ouro de Atlanta:
O olho do tolo que uma gêma inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.

Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira,

abre-Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.

John Donne

quarta-feira, 12 de setembro de 2007


Definitivo, como tudo o que é simples.

Nossa dor não advém das coisas vividas,

mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Por que sofremos tanto por amor?

O certo seria a gente não sofrer,

apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana,

que gerou em nós um sentimento intenso

e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.

Sofremos por quê?

Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado

e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas,

por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido

ao lado do nosso amor e não conhecemos,

por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto

e não tivemos, por todos os shows e livros

e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado,

e não compartilhamos.

Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco,

mas por todas as horas livres que deixamos
=
de ter para ir ao cinema,

para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco,

mas por todos os momentos em que poderíamos

estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias

se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu,

mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos,

mas porque o futuro está sendo confiscado de nós,

impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,

todas aquelas com as quais sonhamos e
=
nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?

A resposta é simples como um verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício

da vida está no amor que não damos,

nas forças que não usamos,

na prudência egoísta que nada arrisca,

e que, esquivando-se do sofrimento,

perdemos também a felicidade.



A dor é inevitável.

O sofrimento é opcional.”


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 9 de setembro de 2007

Os poetas não são azuis nem nada,
como pensam alguns supersticiosos,
nem sujeitos a ataques súbitos de levitação.
=
O de que eles mais gostam é estar em silêncio
um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos
e declamatórios.
=
Um silêncio...
=
Este impoluível silêncio em que escrevo
e em que tu me lês.
=
Mário Quintana


Todos os dias agora acordo com alegria e pena.

Antigamente acordava sem sensação nenhuma: acordava.

Tenho alegria e pena porque perco o que sonho

E posso estar na realidade onde está o que sonho.

Não sei o que hei de fazer das minhas sensações.

Não sei o que hei de ser comigo sozinho.

Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.



Alberto Caeiro

sábado, 8 de setembro de 2007


Hoje...
=
Hibrida...




Apenas uma boca. A tua Boca

Apenas outra , a outra tua boca

É Primavera e ri a tua boca

De ser Agosto já na outra boca



Entre uma e outra voga a minha boca

E pouco a pouco a polpa de uma boca

Inda há pouco na popa em minha boca

É já na proa a polpa de outra boca.



Sabe a laranja a casca de uma boca

Sabe a morango a noz da outra boca

Mas sabe entretanto a minha boca



Que apenas vai sentindo em sua boca

Mais rouca do que a boca a minha boca

Mais louca do que a boca a tua boca.

David Mourão-Ferreira


Alheias e nossas as palavras voam.

Bando de borboletas multicores, as palavras voam

Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,

as palavras voam.

Viam as palavras como águias imensas.

Como escuros morcegos como negros abutres,

as palavras voam.

Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós,

em redor de nós as palavras voam.

E às vezes pousam.


Cecília Meireles


Moça morena e ágil, o sol que faz as frutas,
o que dilata os trigos, o que retorce as algas,
faz o teu corpo alegre, os luminosos olhos
e essa boca que tem o sorriso da água.

Um sol negro e ansioso enrola-se-te nos fios
da negra cabeleira, quando estendes os braços.
Tu brincas com o sol como se fosses um esteiro
e ele deixa-te nos olhos dois escuros remansos.

Moça morena e ágil, nada de ti me abeira.
Tudo de ti me afasta, como do meio dia.
Tu és a delirante juventude da abelha,
a embriaguez da onda, a força que há na espiga.

Porém meu coração sombrio te procura
e eu amo o teu corpo alegre, a tua voz solta e fina.
Borboleta morena, suave e definitiva
como o trigal e o sol, como a papoila e a água.


Neruda

sexta-feira, 7 de setembro de 2007


O meu amor

Tem um jeito manso

que é só seu
=
E que me deixa louca

Quando me beija a boca

A minha pele inteira fica arrepiada

E me beija com calma e fundo

Até minh'alma se sentir beijada, ai


O meu amor

Tem um jeito manso que é só seu

Que rouba os meus sentidos

Viola os meus ouvidos

Com tantos segredos lindos e indecentes

Depois brinca comigo

Ri do meu umbigo

E me crava os dentes, ai

Eu sou sua menina, viu?

E ele é o meu rapaz

Meu corpo é testemunha

Do bem que ele me faz


O meu amor

Tem um jeito manso que é só seu

De me deixar maluca

Quando me roça a nuca

E quase me machuca com a barba malfeita

E de pousar as coxas entre as minhas coxas

Quando ele se deita, ai


O meu amor

Tem um jeito manso que é só seu

De me fazer rodeios

De me beijar os seios

Me beijar o ventre

E me deixar em brasa

Desfruta do meu corpo

Como se o meu corpo fosse a sua casa, ai

Eu sou sua menina, viu?

E ele é o meu rapaz

Meu corpo é testemunha

Do bem que ele me faz.


Chico Buarque

Chegado o momento
em que tudo é tudo
dos teus pés ao ventre
das ancas à nuca
ouve-se a torrente
de um rio confuso
Levanta-se o vento
Comparece a lua
Entre linguas e dentes
este sol nocturno
Nos teus quatro membros
de curvos arbustos
lavra um só incêndio
que se torna muitos
Cadente silêncio
sob o que murmuras
Por fora por dentro
do bosque do púbis
crepitam-me os dedos
tocando alaúde
nas cordas dos nervos
a que te reduzes
Assim o momento
em que tudo é tudo
Mais concretamente
água fogo música

David Mourão Ferreira

quarta-feira, 5 de setembro de 2007



Há sonhos

Que se fazem pesadelos o dia inteiro


=

terça-feira, 4 de setembro de 2007


Eu clamo um monte aos montes
E no monte grande eu procuro um canto
Eu canto no grande monte
Escolho o meu canto e fico só, a cantar
No monte grande em que canto
Eu canto o pranto da minha vida
Eu vivo preso num canto
No grande monte da vida
Eu tento mudar de canto atravesso a ponte escondendo a voz
Eu deixo o canto em silêncio rasgando o peito e lutando a sós


Airton Polak Junior

Com Você...


Se for com sol, eu topo
uma tarde curtindo a tarde
deitados na grama do parque
e vinho, e queijo, e beijo.

Se for com lua, eu topo
uma dose de desejo no copo
um cheiro de noite no corpo
e lençol, e pele, e suor.

Se for com você, eu topo
uma casinha azul no campo
um vaso de gérbera no canto
e rede, e quintal, e dengo.


Bertold Brecht


Vivia a te buscar
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te via
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu



Chico Buarque


Os dias não se descartamnem se somam,
são abelhas
que arderam de doçura
ou enfureceram o aguihão:
o certame continua,
vão e vêm as viagens
do mel à dor.


Pablo Neruda

domingo, 2 de setembro de 2007



Sou poeta de partidas
Saboreio de passagem o amargo
No doce menu da vida.
Mas sorrio aberta e viva
Da chegada desprevinida,
Pessoa-luz-estrada
Que se deita diante dos olhos,comprida.
Pois de poeta pra poeta,
Reverencio oferecida:
Trocar buquês de palavras
É minha dança preferida!

Mia Couto