Guimarães Rosa
quarta-feira, 31 de outubro de 2007
O Sono das Águas
Há uma hora certa,
No meio da noite, uma hora morta,
Em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
No rio, na lagoa,
No açude, no brejão, nos olhos d’água,
Nos grotões fundos.
E quem ficar acordado
Na barranca, a noite inteira,
Há de ouvir a cachoeira
Parar a queda e o choro,
Que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
Todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
Fios brancos, torrentes.O orvalho sonha
Nas placas da folhagem.
E adormece
Até a água fervida,
Nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem, nessa hora
De torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
E chorando, a noite toda,
Porque a água dos olhos
=
Nunca tem sono...
Guimarães Rosa
Refúgio
No pouco a pouco
construo um mundo de aconchego.
Penetro nele, piso o tapete,
tudo é eloqüente, pequeno amigo.
Meu repouso, minha rede,
quente lareira, foyer central,
dentro é calor, parede e cal.
É meu casulo, meu ventre maternal,
minha volta ao meu eu,
meu retorno, meu natural.
Me achego à casa,
como quem chega de uma viagem,
estranho e doce, meu lar
me chama, me esconde e canta, a me ninar.
É quente e abrange , num grande abraço,
meu ser cansado de peregrinar.
Acolhe e cura minha procura,
me ama e me envolve, a me embalar.
Dora Vilela
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
domingo, 28 de outubro de 2007
Vendo alma semi-nova, em bom estado.
Algumas manchas na altura do peito,
mas nada que três boas manhãs de sol e
=
uma ida ao circo não atenuem.
Adaptável a praticamente todos os tamanhos
Adaptável a praticamente todos os tamanhos
=
de invólucros corporais.
Bom perfume, mesmo não tendo cheiro de talco.
Único dono, apesar de algumas investidas
Bom perfume, mesmo não tendo cheiro de talco.
Único dono, apesar de algumas investidas
=
de especuladores infernais.
Dou preferência a quem tenha os estranhos hábitos
de sorrir quando olha o céu e de sonhar sem fechar os olhos.
Exigência:
o interessado deve se comprometer a alimentá-la
pelo menos duas vezes por dia com Quintanas sabor tradicional
ou Cambalhotas sabor framboesa (ou seria maçã?).
Tratar com o proprietário!!
Dou preferência a quem tenha os estranhos hábitos
de sorrir quando olha o céu e de sonhar sem fechar os olhos.
Exigência:
o interessado deve se comprometer a alimentá-la
pelo menos duas vezes por dia com Quintanas sabor tradicional
ou Cambalhotas sabor framboesa (ou seria maçã?).
Tratar com o proprietário!!
André Gonçalves,
que escreve o que gosto de ler, e escreve o que eu queria ter escrito
Alguns escrevem pela arte, pela linguagem, pela literatura.
Esses, sim, são os bons.
Eu só escrevo para fazer afagos.
E porque eu tinha de encontrar um jeito de alongar os braços.
E estreitar distâncias.
Encontrar os pássaros: há muitas distâncias em mim
(e uma enorme timidez).
Uns escrevem grandes obras.
Eu só escrevo bilhetes para escondê-los,
com todo cuidado, embaixo das portas.
Rita Apoena
sábado, 27 de outubro de 2007
Lágrima
Saudade na forma líquida;
Mistura de água do mar com alma moída;
Secreção aquosa expelida através
=
dos canais lacrimais quando se espreme o coração;
Felicidade que escorre pela face;
Estrela cadente que despenca do céu dos olhos de quem ama;
Motivo da existência de lenços brancos;
Resultado da fusão de sentimentos contraditórios
=
quando submetidos a altas temperaturas;
Nome comumente dado ao fim de um romance;
Momento que antecede o adeus;
Pedaço de ontem;
Antônimo de desprezo;
Grande inspiração dos poetas;
Fado de Amália Rodrigues;
Na Europa, folha que cai da árvore quando chega o outono;
Na infância, associada ao berro, alarme de fome;
Na velhice, fome de colo;
Névoa úmida que cobre o mundo quando chove dentro da gente.
André Gonçalves
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos,
a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca
e se vê que por admiraçãose estava de boca entreaberta:
eles respiravam de antemão o ar que estava à frente,
e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo,
falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez
que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam,
e ao toque a sede é a graça,
mas as águas são uma beleza de escuras
e ao toque brilhava o brilho da água deles,
a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!
=
Clarice Lispector
Saudade é um pouco como fome.
=
Só passa quando se come a presença.
=
Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco:
=
quer-se absorver a outra pessoa toda.
=
Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira
=
é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.
=
Clarice Lispector
terça-feira, 16 de outubro de 2007
segunda-feira, 15 de outubro de 2007
libriANA
cê merece presente, cartão feito à mão e poesia.merece bolo com velas que piscam feito fogos de artifício.merece brigadeiro na colher, refrigerante gelado em copo de cinderela e até balão colorido.merece caixa de presente com laço de fita vermelho. merece abraço apertado de quase quebrar a espinha.merece champagne no final da noite.e até serenata do lado de fora da casa. com direito a rosas de todas as cores jogada por um príncipe encantado de calça jeans, um maluco beleza mas que seja um menino bom e educado (acertei?).merece(respirando). merece saúde, amor, alegria. merece o que tem de bom no mundo.merece uma mala cheia de coisas boas. merece passagem de ida pra onde você quiser. e de volta que é pra gente matar a saudade.merece espaçonave, arco-íris, um monte de papel em branco e uma caneta gostosa de escrever.merece esmalte clarinho. e uma caneca pra tomar chá que só a vózinha sabe fazer (e que você tenta fazer mas nunca fica igual :-)).merece vida boa e amigos de verdade.merece um amorzinho ao lado e força pra ser tudo o que você quer ser.merece parabéns.e merece um feliz aniversário!merece esse amor que sinto por você desde meninas e que vai pra vida toda. e eu mereço esse amor que sei que sente por mim.te amo
sábado, 6 de outubro de 2007
(...)
Um bom poema permite teus pés
tocarem a China,
Um bom poema pode fazer uma mente em
pedaços voar,
Um bom poema te permite cumprimentar Mozart,
Um bom poema te permite jogar dados
com o diabo e ganhar,
Um bom poema pode fazer quase qualquer coisa,
e mais importante
Um bom poema sabe quando terminar.
Charles Bukowski
Deixo sua lembrança me amanhecer.
Abrevio sua face à cabeceira da cama.
O dia já não é um qualquer, chega com maior
=
riqueza de significados
e até o silêncio parece querer me dizer algo.
É uma agressão tentar não pensar em você.
Infantilizo sentimentos pela manhã para brincarmos
de nos desejar pela tarde.
(...)
Esqueço o relógio, o tempo que você mora dentro de mim
não pode ser medido por minutos,
o tempo que eu te esqueci foi só uma maneira de te amar mais.
Excedo-me para pagar os desejos atrasados, quero te confessar
as mais reprimidas vontades que me tomaram
de vez em quanto, por todos esses anos.
Eu estou atrasado na sua vida, mas estou na sua vida.
E agora não somos mais reféns do que aconteceu,
somos donos do que estar por acontecer.
Fernando Palma
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem
Hoje eu quero a paz de criança dormindo
E o abandono das flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem
Quero a alegria de um barco voltando
Quero a ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem
Ah! Eu quero o amor mais profundo
Eu quero toda a beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem
Ah! Como este bem demorou a chegar
Eu já nem sei se terei no olhar
Toda a ternura que eu quero lhe dar.
Dolores Duran
Leve na lembrança
A singela melodia que eu fiz
Pra ti, ó bem amada
Princesa, olhos d'água
Menina da lua
Quero te ver clara
Clareando a noite intensa deste amor
O céu é teu sorriso
No branco do teu rosto
A irradiar ternura
Quero que desprendas
De qualquer temor que sintas
Tens o teu escudo
O teu tear
Tens na mão, querida
A semente
De uma flor que inspira um beijo ardente
Um convite para amar
Renato Mota
Alegrias, as desmedidas.
Dores, as curtas e passageiras.
Conselhos, os inesquesíveis.
Amores, os puros e verdadeiros.
Orgasmos, os múltiplos.
Adeuses, os bem ligeiros.
Artes, as diversas.
Professores, os memoráveis.
Prazeres, os transparentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os tresloucados.
Cores, todas e muitas ao mesmo tempo.
Meses, o outubro.
Elementos, o ar e a água.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.
quarta-feira, 3 de outubro de 2007
Ele estava chegando.
Ela meteu a mão na bolsa, remexeu, remexeu,
e só então percebeu que tinha esquecido os sorrisos em casa.
Ele abriu a porta.
Ela chamou o garçom e perguntou se havia sorrisos no cardápio.
Estavam em falta.
Ele chegou e sorriu. Ela não.
Ele sorriu outra vez. Ela disfarçou.
Ele percebeu. Ela se desculpou.
Ele entendeu. Ela chorou.
Ele tomou a mão dela em suas mãos. Ela corou.
Ele beijou cada um dos dedos dela. Ela umedeceu.
Ele chamou o garçom e pediu a conta. Ela foi ao banheiro retocar a
=
maquiagem.
Ele pagou. Ela pediu à moça loira que sorria um sorriso
=
emprestado.
Ele esperou. Ela agradeceu à moça loira que sorria pelo
=
empréstimo do sorriso.
Ele se surpreendeu. Ela sorriu.
Ele chorou. Ela nunca mais precisou pedir nem comprar sorrisos.
Ele os dava a ela, embalados em grandes caixas douradas com
=
laços de fita.
André Gonçalves
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